domingo, 4 de março de 2012

Artigo de 1915 reprovava participação das mulheres na política


   A luta das mulheres por sua emancipação é histórica. Se hoje a mulher, amparada por uma legislação mais simpática, vem garantido direitos iguais ao do homem, no início do século XX a situação era bastante diversa. A política era eminentemente feita pelos homens e a cultura da época exprobava a participação do gênero feminino nas discussões sobre os rumos do país. 

   No Brasil, o sufrágio feminino só foi regulamentado no ano de 1932 (!), quando as mulheres conquistaram o direito de votarem e serem votadas. Até então, à mulher cabia conformar-se com o seu destino natural, ou seja, cuidar do lar. Como assinala a historiadora Michelle Perrot, “a mulher foi criada para a família e para as coisas domésticasmãe e dona de casa, esta é a sua vocação”. A participação da mulher na política ainda era minimizada por falta de competência para a função. A política sempre fora um reino do pensar, proibido às mulheres que, em função de seu “instinto materno”, procedem sentimentalmente, são excessivamente passionais: “os homens pensam e agem; as mulheres sentem e padecem”, como coloca a filósofa Marilena Chaui.
 
   Em busca de subsídios para a história das mulheres na nossa cidade, selecionamos um artigo publicado em um periódico local, o Jornal A Encrenca (escrito por homens) falando acerca do envolvimento das mulheres na política, em uma manifestação pró-Nilo Peçanha (à época senador da República), fato que ocorreu no Rio de Janeiro. Embora o artigo tenha sido assinado por um pseudônimo, certamente a pena é masculina, encharcada de reprovações contra as mulheres que envolviam-se em tais atos. O artigo é do ano de 1915.

 
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Texto do documento acima, transcrito pelo História Caxias:

A MARGEM!...

O caso do Rio, dia a dia, hora a hora, complica-se assustadoramente. Para cumulo da má ventura nacional, um grupo de senhoritas promoverá uma manifestação de apreço ao dr. Nilo Peçanha.

Não somos dos que, receosos de uma invasão feminina no campo de acção masculino, entendem que a serventia única da mulher se consumma no remanso do lar.

Não; está provado que a mulher também coopera, como fator apreciável para o brilho dos cabarets, das casas de jogo, a de quejandos centros de útil desopilamento.

Mas o que, por via de regra, se reprocha (e nós também reprochamos), é o fatuo proposito de se enovelarem as mulheres nos negocios politicos do paiz, ou em outros assumptos que, a um simples contacto, podem desfeminizar as mulheres mais dignas do seu sexo.

O feminismo não é um progresso; nem, tão pouco, um retrocesso.

O feminismo – e pedimos licenças para nos servir dos moldes acacianos – é um produto degenerado de uma invenção sexual nas manifestações da sociedade.

Entre uma mulher que se irineumachadifica em comícios populares e uma outra que se conserva no discreto seio do lar, não ha duvida que a gente opta pela segunda.

A primeira é um homem, a quem só falece a prerrogativa masculina da reproducção da espécie. De resto, nos tempos que transcorrem, nem mais o próprio bigode é característica do sexo masculino, depois que os inglezes, os americanos e outras gentes se convenceram das vantagens da ausência dele.

A mulher que se mantem dentro da clássica moldura feminina, é que é a mulher lidima e pura, quer se estadeie ella nos lascivos passos do tango, quer se recate, pudica, no altar da família, dedilhando ao piano ou fazendo crochet.

A mulher só deve ser política na política do amor. Si o Senador Pinheiro fosse mulher, seria graças à sua sagacidade e finura, a “demimondaine” mais requestada do paiz, e, certo, jamais se emmaranharia nos negócios dos estados, para só se consagrar ao eviterno culto do amor.

As mulheres, pois, de perspicácia e tino comprovados, não procedem com acerto envolvendo-se em assumptos masculinos. Devem, ao envez, aplicar taes predicados em misteres pertinentes ao seu sexo, e, destarte, serão, ou exemplares esposas de maridos felizes, ou cançonetistas afamadas pela falta de voz e abundância de carícias.

Chevalier de la Lune


  [Fim do documento, os grifos são do História Caxias]

Glossário:
Irineumachadifica: referência ao então senador Irineu Machado, opositor de Nilo Peçanha.
Demimondaine: expressão francesa, significa “semi-mundana” ou “meio-mundana”. Refere-se às mulheres que eram sustentadas por homens ricos.
Misteres: tarefas, trabalhos. 


Imagem ilustrativa selecionada pelo História Caxias:

Foto de 1915. Em grandes cidades, e entre a elite, raramente a mulher saía de casa; a não ser acompanhada de um homem ou de outra mulher mais velha. Em casa, bordava, declamava, dedilhava o piano, sempre distante da janela. Nascia, portanto, para não ser vista. O consolo, muitas vezes, era a religião, como sintetiza a jovem da imagem, ajoelhada aos pés de um altar caseiro. Tal era a mulher idealizada pela cultura masculina.
(Autoria não identificada, acervo do Museu Paulista, reproduzido do foto-livro "Século XX - a mulher conquista o Brasil").



Informações de pesquisa:
Publicação (periódico): A Encrenca
Data publicação: 24/jan./1915
Acervo:  Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami (AHMJSA) - Hemeroteca
Consulta: Centro de Memória da Câmara Municipal de Vereadores de Caxias do Sul (AHCM) (http://www.camaracaxias.rs.gov.br)

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